segunda-feira, 31 de março de 2014

Rotina



                              

         Sentada à mesa do café Fernanda pensa em sua vida, em sua medíocre vida, naquele corre-corre infernal no escritório, naqueles números dando nó em sua cabeça. Toma um gole de café, olha o relógio: 7 horas, daqui a pouco estará sentada a sua mesa, soterrada em um monte de papéis, ouvindo reclamações, cantadas, indelicadezas, mas terá que continuar a ser gentil, a sorrir, a dizer: “as suas ordens”, “pois não”, “apareça sempre”, enquanto uma tempestade agita sua alma, mas isso não importa, o que importa é o sorriso de coquetel pendurado no rosto, torna a olhar o relógio: 7h10min. Os dias se arrastam, se emendam, não sabe se ontem é hoje ou se hoje é amanhã, parece-lhe que nunca sai dali, é uma rotina interminável e ao fim de cada dia dói-lhe o corpo, dói-lhe a alma, faz um balanço da sua vida e não encontra nada que lhe tenha dado prazer; 7h15min, é preciso sair, se chegar atrasada é reclamação que não acaba mais. No apartamento vizinho, as crianças preparam-se para a escola, pensa em como era bom o tempo que era criança e tinha mil sonhos a realizar, agora está condenada a passar os dias trancafiada entre quatro paredes e a única coisa interessante são os tipos que desfilam a sua frente e os próprios colegas que mais parecem robôs andando de lá pra cá e de cá pra lá dizendo “sim, senhor”, “pois não, senhor”, às ordens, senhor”, ou senhora, se for o caso, é de enlouquecer; 7h20min; enquanto trabalha, observa; já fez um perfil de todas as pessoas que trabalham com ela; a Ana vive inventando piadas pra ela mesma rir, já que ninguém mais acha graça; a Tânia é a mulher fatal do escritório, com roupas extravagantes, cheia de poses sensuais que copia das artistas do cinema e da televisão, vive  se insinuando para os clientes e para os colegas e é famosa pelos seus casos de amor. E a Fernanda? Bem, a Fernanda tenta achar um jeito de se libertar dessa prisão,  mas parece que não está sendo muito capaz pra essa tarefa e além do mais tem que ficar se equilibrando entre um assédio sexual ou psicológico. Que tortura! O Paulo é o galã, dizendo galanteios, contando vantagens, acha que todas as mulheres vivem correndo atrás dele e que é impossível resisti-lo; o André, esse tem mania de geólogo, tudo que encontra na rua junta, amostras de terra, pedras, coisas desse tipo; o chefe, o senhor Leôncio, esse é ridículo e se julga muito interessante, muito culto e ninguém o suporta quando começa dar conselhos e contar histórias da sua vida. 7h30min, é preciso ir, mas é tão difícil enfrentar o dia-a-dia, é preciso fazer alguma coisa senão enlouquece, não aguenta; e aquele cliente, o senhor Joaquim Pacheco, ah! Ele é tão engraçado com aquela barriga enorme, querendo ser moderno para agradar as moças, como ele diz e fala tanto , conta umas coisas bobas e jura que disse algo muito interessante; o senhor Felipe, esse parece que ainda não percebeu que o tempo dos coronéis já passou, chega falando grosso como se estivesse mandando e olha as mulheres como se fossem objetos disponíveis e aquele bigode enorme que carrega o torna pior ainda; o senhor Rodolfo adora se lamentar, nada dá certo, a plantação não deu, o governo tá acabando com o agricultor, o tempo não ajuda, se está chovendo acha que é preciso sol, se está fazendo sol, acha que tinha que estar chovendo; o senhor Ari acha que tudo que é dele tem mais valor, o seu campo é o melhor, o seu carro é o mais econômico, o mais potente, o mais bonito, não importa que os outros sejam da mesma marca,  mesmo desing, o dele é  único, a sua plantação é a melhor que existe, o seu rebanho é uma seleção. Toma o último gole do café, olha o relógio; 7h40min, pega a bolsa, se despede dos pais e dos irmãos e vai à luta. 



terça-feira, 11 de março de 2014

O Mar e...Eu


                                               
                                  
A primeira vez que vi o mar não fiquei impressionada nem fascinada.
Achei-o maravilhoso, é verdade, na sua imensidão; fiquei observando suas águas agitadas e pensando: de quantas tragédias, aventuras, vitórias e derrotas tu foste testemunha?
  O céu de chumbo se refletia em suas águas e essa fusão mar-céu-mar  me pareceu um gigantesco monstro cinzento barrando meu caminho. Ele estava ali, na minha frente, como a dizer: Pára!
  Gostei e não gostei dele. Sentia-me atraída e ao mesmo tempo reticente, impotente diante dele.
   Éramos um bando de colegiais em excursão e embora o mar estivesse agitado não abrimos mão de fazermos uma pequena viagem a uma ilha próxima.
    Durante a viagem ele se divertiu atirando sobre nós  suas ondas impetuosas e arrogantes.
      Ao retornarmos, no fim da tarde,  a nossa cidade,  passamos pela praia. Estava deserta. Estava um pouco frio e a beleza do momento era inesquecível. As ondas vinham furiosas em direção à praia como se quisessem nos alcançar e nos arrastar. Desatamos a correr pela praia juntando conchas. Éramos indistintos pontinhos escuros agitando-se na areia branca. Quando voltamos para o ônibus estávamos salgados e com as mãos cheias de conchas. Ele ficou lá indiferente e soberbo.
         Quando bem mais tarde voltei a vê-lo, foi como se chegasse a uma festa em que o anfitrião não me tivesse notado. A tarde estava ensolarada, a praia fervilhando de gente e ele estava ali fazendo parte daquilo tudo, sendo envolvido e envolvendo(mais envolvendo).
           O primeiro contato com suas águas foi envolvente. Suas ondas vinham suaves rebentar na praia, mas eu sabia que por trás desses abraços doces e ternos,  em suas profundezas escondia toda a fúria e força de que é capaz.
           O céu de um azul puro mirava-se no espelho de suas águas tornando-as azuis também e esse encontro de céu e mar dava uma gostosa sensação de liberdade, vida, emoção. E eu gostei dele.
            Mas o verdadeiro “encontro” aconteceu uns dias mais tarde, numa noite em que fomos(eu e uns amigos) ver, pela primeira vez, a Festa de Iemanjá, mas o que realmente vi foi o mar.
             A praia estava movimentadíssima, gente andando, falando, participando da festa, ou simplesmente assistindo, como era o nosso caso. Mas emanava do mar um silêncio gostoso, uma tranquilidade, uma sensação de independência e liberdade. De repente me pareceu que só estávamos eu e ele, ali, naquela noite quente, em que as estrelas tomavam conta do céu. Ele estava majestoso, único, importante. Imperturbável. Estava só, sem se envolver nem envolver ninguém. Apenas ele mesmo. Solitário no meio de tanta gente. Eu também estava acompanhada, com muita gente a minha volta, mas solitária. Eu mesma, com meus pensamentos e sentimentos. Não estava triste não, pelo contrário, estava feliz, mas vivendo intensamente aquele momento de intimidade. Só meu. Meu, das estrelas, da noite e...do mar.
                Será que se eu falasse alguém entenderia?
                 Aquele mar solitário, imponente, me fascinava, mas eu sabia que ele podia ser terrivelmente perigoso quando enfurecido.
                  Mas ele estava ali, tão ele mesmo, tão MAR. E eu o amei.