sábado, 27 de dezembro de 2014






 Tentação


         Acorda. Está aturdido. Olha as paredes brancas e nuas. Tudo muito limpo e confortável, mas frio e impessoal...E esta cama? Branca também, tudo branco;  até o pensamento. Branco. Branco. Branco.
           Entra uma mulher de branco e lhe aplica uma injeção. De repente lembra tudo.
         Ele parado à beira do mar, dizendo aos amigos: não tenho medo da água em si, mas do fascínio que ela exerce sobre mim. Depois, o mergulho nas ondas, aquela água estava tão deliciosa que era impossível resistí-la e ele cada vez mais mergulhava naquela doce, gostosa e louca volúpia. A água chamava-o, atraía-o e ele se entregava sem resistências àquela tentação. O cuidado e a prudência que sempre procurava ter quando enfrentava essa luta o abandonaram e se atirava como louco nos braços daquela água que o arrastava para um mundo encantado onde havia sereias, tesouros, cidades submersas. A esta altura já estava completamente entregue, dominado pelo encanto envolvente do mar; bravio e calmo, furioso e aliciante. Só pensava na maravilhosa aventura que iria viver nas profundezas aquáticas onde seria rei, encontraria uma linda princesa(que tinha a cara de sua namorada) esperando-o para viverem um grande e eterno amor. Haveria castelos e jardins, a flora e a fauna mais exuberante do mundo. Haveria sonho, magia e encantamento. Enquanto pensava, avançava cada vez mais, já não tinha noção de onde estava.
              Começou a sentir cãibras, tentou libertar-se, mas já não era possível, não tinha forças, as ondas pareciam engolí-lo, a respiração estava ficando difícil, entrou em desespero, sentiu-se perdido.
         Quanto mais tentava resistir, mais era tragado, arrastado por aquela fúria voluptuosa. O peito parecia que ia estourar, sua cabeça, seus pensamentos, tudo rodava prestes a explodir. Uma dor dilacerante penetrava seu corpo, sua alma. Sentiu-se enlouquecer, morrer. Pensou nos pais, na namorada, nos amigos, em seus sonhos. Começou delirar. Um desespero tomou conta dele, a asfixia tirava-lhe o sopro de vida que ainda o animava, sentiu que ia desfalecer, mas ainda teve tempo de pensar em Deus. Depois tudo se apagou.
           A enfermeira torna entrar no quarto. Fala com ela, pergunta, quer saber detalhes, como chegou, quem o trouxe, quem o salvou. Ela responde  todas as perguntas, satisfazendo plenamente sua curiosidade.
                Agora acorda ali, num hospital. Sobreviveu à luta. Sente-se feliz apesar da dor que sente por dentro e por fora; parece que um trator passou por cima dele. Pelo menos valeu a lição. Na próxima vez, pensa, terei mais cuidado. Não me deixarei envolver e arrastar desse jeito. Saberei resistir à tentação de me deixar levar ao sabor das ondas. Afinal, desta vez os salva-vidas estavam  atentos e os amigos por perto. Graças a Deus.
                   A enfermeira entra e diz que seus pais, amigos e a namorada querem vê-lo.
              A porta se abre e ele os vê entrarem silenciosos, abatidos, cansados mas felizes e aliviados.
                 Sorri pra eles...E chora. Chora de emoção por continuar vivo.