Tentação
Acorda. Está aturdido. Olha as paredes
brancas e nuas. Tudo muito limpo e confortável, mas frio e impessoal...E esta
cama? Branca também, tudo branco; até o
pensamento. Branco. Branco. Branco.
Entra uma mulher de branco e lhe aplica
uma injeção. De repente lembra tudo.
Ele parado à beira do mar, dizendo aos
amigos: não tenho medo da água em si, mas do fascínio que ela exerce sobre mim.
Depois, o mergulho nas ondas, aquela água estava tão deliciosa que era
impossível resistí-la e ele cada vez mais mergulhava naquela doce, gostosa e
louca volúpia. A água chamava-o, atraía-o e ele se entregava sem resistências
àquela tentação. O cuidado e a prudência que sempre procurava ter quando
enfrentava essa luta o abandonaram e se atirava como louco nos braços daquela
água que o arrastava para um mundo encantado onde havia sereias, tesouros,
cidades submersas. A esta altura já estava completamente entregue, dominado
pelo encanto envolvente do mar; bravio e calmo, furioso e aliciante. Só pensava
na maravilhosa aventura que iria viver nas profundezas aquáticas onde seria
rei, encontraria uma linda princesa(que tinha a cara de sua namorada)
esperando-o para viverem um grande e eterno amor. Haveria castelos e jardins, a
flora e a fauna mais exuberante do mundo. Haveria sonho, magia e encantamento.
Enquanto pensava, avançava cada vez mais, já não tinha noção de onde estava.
Começou a sentir cãibras, tentou
libertar-se, mas já não era possível, não tinha forças, as ondas pareciam
engolí-lo, a respiração estava ficando difícil, entrou em desespero, sentiu-se
perdido.
Quanto mais tentava resistir, mais era tragado,
arrastado por aquela fúria voluptuosa. O peito parecia que ia estourar, sua
cabeça, seus pensamentos, tudo rodava prestes a explodir. Uma dor dilacerante
penetrava seu corpo, sua alma. Sentiu-se enlouquecer, morrer. Pensou nos pais,
na namorada, nos amigos, em seus sonhos. Começou delirar. Um desespero tomou
conta dele, a asfixia tirava-lhe o sopro de vida que ainda o animava, sentiu
que ia desfalecer, mas ainda teve tempo de pensar em Deus. Depois tudo se
apagou.
A enfermeira torna entrar no quarto.
Fala com ela, pergunta, quer saber detalhes, como chegou, quem o trouxe, quem o
salvou. Ela responde todas as perguntas,
satisfazendo plenamente sua curiosidade.
Agora acorda ali, num hospital.
Sobreviveu à luta. Sente-se feliz apesar da dor que sente por dentro e por
fora; parece que um trator passou por cima dele. Pelo menos valeu a lição. Na
próxima vez, pensa, terei mais cuidado. Não me deixarei envolver e arrastar
desse jeito. Saberei resistir à tentação de me deixar levar ao sabor das ondas.
Afinal, desta vez os salva-vidas estavam
atentos e os amigos por perto. Graças a Deus.
A enfermeira entra e diz que seus pais,
amigos e a namorada querem vê-lo.
A porta se abre e ele os vê entrarem silenciosos,
abatidos, cansados mas felizes e aliviados.
Sorri pra eles...E chora. Chora de
emoção por continuar vivo.
achei lindo o texto muito autentico.
ResponderExcluirObrigada
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