CARNAVAL
De repente se encontra
perdido naquele turbilhão(que
contradição! Se encontra perdido). Detesta Carnaval, mas os amigos
insistiram tanto que resolveu acompanhá-los.
Há muito tempo chegou à
conclusão que em bailes de carnaval sempre se está só, mesmo com toda aquela
gente em volta.
- Mais uma cervejinha, Pablo?
- Sim. Obrigado.
Fica olhando. Toda aquela gente está como que
desvairada, alucinada. Riem, falam, mas
muito provavelmente não sabem porque riem e o que falam.
Seus amigos estão animados,
querem arrastá-lo para o meio do salão.
-Vamos
lá Pablo. Vais ficar aí parado a noite toda?
-
Não se preocupem comigo. Divirtam-se.
Fica
sentado à mesa, tomando cerveja.
Um
rapaz corta o pé num pedaço e garrafa. Sai à custo daquele labirinto, o pé
sangrando. Uma menina passa mal, tenta sair, não consegue; tonta, vai cair
quando alguém a ampara e a ajuda sair do salão.
No
início ainda estão um pouco “acanhados”, “comportados”. Depois a música, o
álcool e outras coisas mais, o cheiro quente e ativo que se desprende dos
corpos suados vai excitando as pessoas, elas vão se soltando, começam a dizer e
fazer coisas que normalmente não diriam nem fariam.
Em
pouco tempo os instintos se libertam, o salão entra em ebulição e ferve...ferve...
Pablo pensa:
Tenho
a impressão que qualquer coisa pode acontecer aqui que ninguém vai ligar. Acho
que serão capazes de rirem
desbragadamente de uma tragédia e chorarem desesperados ao verem algo
engraçado.
Alguém
puxa seu braço.
-
Vem dançar, vem, insiste a voz melosa e sensual.
Olha
apavorado. Não sabe se é mulher ou homem
quem lhe fala assim. Inventa uma
desculpa. Não está se sentindo bem. Não pode dançar agora, mais tarde, quem
sabe...se melhorar.
Sua
admiradora(ou admirador) desiste. Respira aliviado.
-
Se houvesse um assassinato ou alguém fosse torturado, talvez ninguém notasse ou
então achariam tudo muito natural.
Pablo
olha, observa, vê pessoas cheirando, injetando drogas, casais(ou nem tão
“casais” assim), fazendo amor, amor não,
sexo.
Começa
ficar cansado daquilo tudo.
Parece
que ao penetrarem no recinto do clube toda essa gente deixou lá do outro lado
da porta, a alma e os sentimentos. Só entraram o corpo e os instintos.
Seus
amigos sumiram, foram tragados por esta loucura desenfreada.
Precisa
sair, precisa de ar, de espaço, de liberdade. Precisa respirar.
Olha
aquela multidão em transe. Vai ser uma aventura esta “viagem” até lá fora,
pensa. Tem um pouco de medo. Esta gente está enlouquecida. Uma população
enlouquecida é uma coisa terrível. Incontrolável. Levanta disposto a enfrentar
aquela floresta humana, precisa sair imediatamente, nem que seja preciso
empurrar, levar alguém por diante. Que posso fazer? Pensa: “Estou numa
selva...humana...mas selva”.
À
sua frente, como se fossem closes, aparecem caretas, caras mascaradas,
grotescas. Quando menos espera, alguém pespega um beijo em seu rosto, sua boca.
Não pode evitar uma careta de nojo(será homem ou mulher? Nada contra, mas não é
minha área). É abraçado, apertado. Mãos passeiam pelo seu rosto, por sua
cabeça, puxam seu cabelo.
Pessoas
se escondem por trás de máscaras pra fazerem coisas que com a cara descoberta
não teriam coragem de fazer.
-
Decididamente carnaval é pra quem está disposto a tudo.
Dá
uma última olhada para o salão. O ritmo frenético acelera cada vez mais. E como
ficam ridículos pulando feito macacos loucos.
De
repente é arrastado por uma onda humana, luta contra ela, consegue se livrar e
continua sua “viagem”.
Depois
que o transe passar, que a realidade se impor implacável, ficará a ressaca, a
sensação de vazio e angústia ao não lembrarem o que fizeram e disseram, ou
então, ao lembrarem vagamente, numa mistura terrível, fatos, cenas e frases que
parecem ter que pertencer a outra pessoa, mas, ao mesmo tempo, sabem que não
pertencem a outra pessoa e sim a si mesmos.
É
horrível esse esquecimento, mas não será melhor não lembrar nada mesmo? Afinal,
já passou e outros carnavais virão.
Pablo finalmente
consegue ganhar a rua, sente-se aliviado, mas ainda aqui, espalhados pelo
jardim, pelos gramados há gente fazendo de tudo: vomitando, discutindo,
amando(amando?!).
Um bando de
jovens embriagados tentam jogar alguém na piscina.
Há pessoas
estiradas no chão, dormindo? Desmaiadas? Mortas? Não sabe. Vai andando.
Formas humanas
rolam na grama entre gemidos e suspiros. Mais adiante num banco outro casal
está em grande atividade. Noutro banco, outro casal. Segue em frente. Ouve um
diálogo(diálogo?) que lhe chama atenção.
-Ai cara, que
loucura!...Ai...Que ignorância, cara!...
-Ummm...Gostosa!
-Ui,
cara...Risos...Que ignorância! Puxa, cara, que legal!...
-Assim...Tá
bom...Aaahh...
Que ignorância,
cara!...Aaaiii...Uhhiii...Como é o teu nome cara?
-Deixa prá
lá...Ah...Vem...E o teu?
-Pra quê
saber?...Ai...Vem...Esquece...Que loucura, cara!...
-Vem
cá...Assim...Que bom!...
-Ai, cara, que
ignorância!...Gostoso...Assim...Aii...Ui..
Pablo continua
andando, pensando:
-Por que será que
essa menina repete de instante a instante “que ignorância, cara!” Não consigo
atinar com o significado dessa
expressão. Parece loucura. A que será que ela se refere? Gostaria de saber.
Ainda bem que
nunca tive nos braços uma mulher que ficasse repetindo: “que ignorância!” “que
ignorância!” Seria insuportável.
Pablo atravessa o
pátio, sai, sente-se livre, as ruas
estão praticamente desertas. É tão gostoso andar assim, tendo a lua e as
estrelas como companheiras. Chega em casa, toma um banho, deita e adormece. Mas
antes ouve o seu querido Beethoven pra desintoxicar a alma.
lindo texto ,profundo verdadeiro,é para refletirmos o que estamos fazendo de nossas vidas
ResponderExcluirObrigada
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