domingo, 18 de outubro de 2015

                CARNAVAL

                  De repente se encontra perdido naquele turbilhão(que  contradição! Se encontra perdido). Detesta Carnaval, mas os amigos insistiram tanto que resolveu acompanhá-los.
                  Há muito tempo chegou à conclusão que em bailes de carnaval sempre se está só, mesmo com toda aquela gente em volta.
                  - Mais uma cervejinha, Pablo?
                  - Sim. Obrigado.
                  Fica olhando. Toda aquela gente está como que desvairada, alucinada.  Riem, falam, mas muito provavelmente não sabem porque riem e o que falam.
                   Seus amigos estão animados, querem arrastá-lo para o meio do salão.
                               -Vamos lá Pablo. Vais ficar aí parado a noite toda?
                               - Não se preocupem comigo. Divirtam-se.
                               Fica sentado à mesa, tomando cerveja.
                               Um rapaz corta o pé num pedaço e garrafa. Sai à custo daquele labirinto, o pé sangrando. Uma menina passa mal, tenta sair, não consegue; tonta, vai cair quando alguém a ampara e a ajuda sair do salão.
                               No início ainda estão um pouco “acanhados”, “comportados”. Depois a música, o álcool e outras coisas mais, o cheiro quente e ativo que se desprende dos corpos suados vai excitando as pessoas, elas vão se soltando, começam a dizer e fazer coisas que normalmente não diriam nem fariam.
                               Em pouco tempo os instintos se libertam, o salão entra em ebulição e ferve...ferve...
                               Pablo pensa:
                               Tenho a impressão que qualquer coisa pode acontecer aqui que ninguém vai ligar. Acho que serão capazes  de rirem desbragadamente de uma tragédia e chorarem desesperados ao verem algo engraçado.
                               Alguém puxa seu braço.
                               - Vem dançar, vem, insiste a voz melosa e sensual.
                               Olha apavorado. Não sabe se é  mulher ou homem  quem lhe fala assim. Inventa uma desculpa. Não está se sentindo bem. Não pode dançar agora, mais tarde, quem sabe...se melhorar.
                               Sua admiradora(ou admirador) desiste. Respira aliviado.
                               - Se houvesse um assassinato ou alguém fosse torturado, talvez ninguém notasse ou então achariam  tudo muito natural.
                               Pablo olha, observa, vê pessoas cheirando, injetando drogas, casais(ou nem tão “casais” assim),  fazendo amor, amor não, sexo.
                               Começa ficar cansado daquilo tudo.
                               Parece que ao penetrarem no recinto do clube toda essa gente deixou lá do outro lado da porta, a alma e os sentimentos. Só entraram o corpo e os instintos.
                               Seus amigos sumiram, foram tragados por esta loucura desenfreada.
                               Precisa sair, precisa de ar, de espaço, de liberdade. Precisa respirar.
                               Olha aquela multidão em transe. Vai ser uma aventura esta “viagem” até lá fora, pensa. Tem um pouco de medo. Esta gente está enlouquecida. Uma população enlouquecida é uma coisa terrível. Incontrolável. Levanta disposto a enfrentar aquela floresta humana, precisa sair imediatamente, nem que seja preciso empurrar, levar alguém por diante. Que posso fazer? Pensa: “Estou numa selva...humana...mas selva”.
                               À sua frente, como se fossem closes, aparecem caretas, caras mascaradas, grotescas. Quando menos espera, alguém pespega um beijo em seu rosto, sua boca. Não pode evitar uma careta de nojo(será homem ou mulher? Nada contra, mas não é minha área). É abraçado, apertado. Mãos passeiam pelo seu rosto, por sua cabeça, puxam seu cabelo.
                               Pessoas se escondem por trás de máscaras pra fazerem coisas que com a cara descoberta não teriam coragem de fazer.
                               - Decididamente carnaval é pra quem está disposto a tudo.
                               Dá uma última olhada para o salão. O ritmo frenético acelera cada vez mais. E como ficam ridículos pulando feito macacos loucos.
                               De repente é arrastado por uma onda humana, luta contra ela, consegue se livrar e continua sua “viagem”.
                               Depois que o transe passar, que a realidade se impor implacável, ficará a ressaca, a sensação de vazio e angústia ao não lembrarem o que fizeram e disseram, ou então, ao lembrarem vagamente, numa mistura terrível, fatos, cenas e frases que parecem ter que pertencer a outra pessoa, mas, ao mesmo tempo, sabem que não pertencem a outra pessoa e sim a si mesmos.
                               É horrível esse esquecimento, mas não será melhor não lembrar nada mesmo? Afinal, já passou e outros carnavais virão.
                               Pablo finalmente consegue ganhar a rua, sente-se aliviado, mas ainda aqui, espalhados pelo jardim, pelos gramados há gente fazendo de tudo: vomitando, discutindo, amando(amando?!).
                               Um bando de jovens embriagados tentam jogar alguém na piscina.
                               Há pessoas estiradas no chão, dormindo? Desmaiadas? Mortas? Não sabe. Vai andando.
                               Formas humanas rolam na grama entre gemidos e suspiros. Mais adiante num banco outro casal está em grande atividade. Noutro banco, outro casal. Segue em frente. Ouve um diálogo(diálogo?) que lhe chama atenção.
                               -Ai cara, que loucura!...Ai...Que ignorância, cara!...
                               -Ummm...Gostosa!
                               -Ui, cara...Risos...Que ignorância! Puxa, cara, que legal!...
                               -Assim...Tá bom...Aaahh...
                               Que ignorância, cara!...Aaaiii...Uhhiii...Como é o teu nome cara?
                               -Deixa prá lá...Ah...Vem...E o teu?
                               -Pra quê saber?...Ai...Vem...Esquece...Que loucura, cara!...
                               -Vem cá...Assim...Que bom!...
                               -Ai, cara, que ignorância!...Gostoso...Assim...Aii...Ui..
                               Pablo continua andando, pensando:
                               -Por que será que essa menina repete de instante a instante “que ignorância, cara!” Não consigo atinar  com o significado dessa expressão. Parece loucura. A que será que ela se refere? Gostaria de saber.
                               Ainda bem que nunca tive nos braços uma mulher que ficasse repetindo: “que ignorância!” “que ignorância!” Seria insuportável.

                               Pablo atravessa o pátio, sai,  sente-se livre, as ruas estão praticamente desertas. É tão gostoso andar assim, tendo a lua e as estrelas como companheiras. Chega em casa, toma um banho, deita e adormece. Mas antes ouve o seu querido Beethoven pra desintoxicar a alma.

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