segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

As Mãos do Pianista



                  Ele estava parado, sentado, olhando fixamente o sangue que escorria dos seus dedos esmigalhados. Agora tudo estava acabado, seus dedos não mais podiam arrancar sons do velho piano. A tortura tinha acabado. Ou começado? Não sabia. A única coisa que sabia é que estava ficando louco com os pesadelos, o medo doentio de que acontecesse alguma coisa com seus dedos e não pudesse mais tocar. Às vezes acordava no meio da noite, suando, em pânico e procurava como um desesperado as mãos, apalpava-as com loucura, tinha medo até de machucá-las durante o sono, deitar sobre elas e impedir que continuassem as mesmas mãos ágeis que deslizavam como pombas brancas sobre o piano. Não sabia o que fazer com as mãos quando deitava, não sabia onde colocá-las pra ficarem protegidas. E os pesadelos? Ah! Eram insuportáveis. Sonhava que arrancavam seus dedos um por um entre gargalhadas horripilantes, sonhava que suas mãos estavam atrofiadas, que se negavam a obedecê-lo, que não tinha mãos, mas apenas ganchos que arranhavam em vez de tocar. Acordava suando, gritando às vezes, chorando, tremendo, um pavor tomava conta de seu corpo e de sua alma. Era tão difícil conviver com aquelas mãos maravilhosas, pensava até colocá-las numa redoma, mas e se o vidro quebrasse cortaria seus dedos, inutilizaria seus dedos. Quando andava pela rua tinha medo  de ser atropelado e perder as mãos; se carregava qualquer coisa por mais leve que fosse temia ficar trêmulo e estragar tudo. Até apertar a mão de uma pessoa era uma tortura, podia machucar seus dedos. Uma vez pensou fazer um seguro para suas mãos, mas acabou desistindo, afinal se acontecesse alguma coisa com elas o que adiantaria um seguro? Não iria restituí-las. O máximo que poderia acontecer era receber aquelas horríveis mãos de borracha ou sei la o quê; nunca aquelas mãos, as suas mãos.
                  Vivia isolado, as pessoas deliravam com suas apresentações, mas tinham pena dele, achavam-no louco; os amigos se afastaram, ele os enxotara, não queria ninguém por perto, significava perigo para sua mãos.
                   Tudo o que ia fazer constituía um drama. E se acontece um acidente com as minhas mãos? Ficava quase louco, derrubava tudo, não conseguia fazer nada. Estava enlouquecendo.
                    Às vezes ficava horas olhando para as mãos, admirando-as, e um pavor o assaltava, E se eu perder as minhas mãos? O que será de mim? Não sei viver sem elas. Não sou ninguém sem elas. Eu morro sem as minhas mãos.
                     Um dia foi à fábrica de um amigo fazer uma apresentação para os empregados; depois da apresentação foi convidado para conhecer a fábrica e foi então que viu uma máquina triturando um concentrado para ser enlatado. Pronto. A máquina se tornou uma obsessão. Aparecia nos seus pesadelos triturando seus dedos para serem enlatados ou a qualquer hora do dia lá estava ela atraindo e causando horror. Até que não aguentou mais, num momento de desespero voou para a fábrica e diante dos operários paralizados pela surpresa meteu as mãos na máquina que esmigalhou seus dedos e ele então entre aliviado e desesperado riu e chorou e depois veio a apatia e ficou olhando para aquela massa disforme que antes havia sido suas mãos maravilhosas que arrancavam melodias mais maravilhosas ainda do velho piano. Agora as suas mãos não passavam de um monte de carne ensanguentado. As suas mãos! Aquelas mãos!

Um comentário:

  1. Olá! Maria Altita

    Parabéns pela iniciativa!
    Vou acompanhar este blog.

    Abraço da amiga!

    Silvia

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Comentários